Virgilo Martínez, o renomado chef peruano que prevê uma nova era culinária
O melhor restaurante do mundo, segundo o guia "50 Best Restaurants", tem uma fachada discreta em um bairro boêmio de Lima. Mas não se vai ao restaurante "Central" para "comer bem", adverte o chef Virgilio Martínez, que acredita que o futuro da cozinha não estará mais na fusão.
Mais do que fregueses, os clientes do Central são tratados como viajantes. Durante quatro horas, e por nada menos que 330 dólares (R$ 1644 reais) por pessoa, eles passeiam com seus paladares pelo mar, rios, montanhas e floresta peruanas.
São pelo menos 12 petiscos sofisticados, 12 escalas de uma "viagem", insiste Martínez, por uma das gastronomias mais celebradas do mundo pelo contraste entre sabores doces, amargos e salgados.
Uma viagem para a qual é preciso reservar uma mesa e, com sorte, para daqui a três meses e com preço em alta depois que a revista britânica Restaurant elegeu o Central como o melhor restaurante do mundo, em meio à controvérsia inerente gerada por esse tipo de classificação.
Um lombo saltado ou um ceviche? Não, os sabores mais populares do Peru estão de fora do menu que Martínez e sua esposa, Pia León, também cozinheira, inventaram em seu próprio laboratório por tentativa e erro com plantas, bebidas e produtos nativos de diversos ecossistemas.
"Você não vem ao Central para comer bem, (isso) limitaria muito todas as outras sensações. Você vem para viajar e isso basta", enfatiza Martínez, de 45 anos, que antes de entrar na cozinha queria ser skatista, mas a falta de patrocínio e duas lesões no ombro o fizeram desistir.
Depois tentou e não gostou de Direito. Começou como cozinheiro em Londres, foi a Nova York e voltou ao Peru para trabalhar com chefs renomados, como Rafael Osterling e Gastón Acurio.
Foram várias idas e vindas por Espanha, Colômbia, entre outros países, até que decidiu andar pelas montanhas e florestas peruanas em uma viagem que acabou levando-o à receita do sucesso.
Em suas viagens, descobriu ingredientes autênticos, a partir dos quais inventou pratos de árvores e algas doces, fósseis de conchas, rocha de mangal, caules extremos e mariscos de rio.
O cozinheiro peruano mais comentado do momento, que costuma se vestir com camiseta e calça, falou com a AFP sobre o futuro da cozinha latino-americana após o reconhecimento alcançado nas últimas décadas.
- Cozinha de origem -
P: Para onde vai a alta gastronomia peruana agora?
R: "A culinária peruana se desenvolveu muito nesse campo da fusão, de 500 anos de fusão, com influências da China, do Japão (...). Mas acho que está chegando uma cozinha que vem da natureza, uma cozinha de origem, uma cozinha ancestral, verdadeiramente ancestral. A cozinha destes 500 anos de fusão tem sido muito importante (...), mas estou falando do que aconteceu antes e antes (...)m você se depara com a culinária da Cordilheira dos Andes (. ..) a culinária da Amazônia, que integra muitos países, a culinária do oceano Pacífico, que é a da América do Sul. Uma culinária que integra a América Latina e tem uma mensagem de origem e uma mensagem de agricultura ancestral e de conhecimento milenar".
P: Uma cozinha da natureza e da origem?
R: "É uma cozinha que te transporta para esse mundo das comunidades andinas, amazônicas, para aquele conhecimento que existe no campo e que provavelmente não chega às cidades ou chega transformado (...). Estamos agora numa batalha, estamos na luta contra a industrialização dos alimentos, que é o que chega hoje no supermercado, então temos que parar de consumir isso (...), que é o grande inimigo da saúde".
P: Há fome no mundo, embora haja comida suficiente. O que pensa?
"Que fizemos tudo errado (...). Um cozinheiro gera impacto e é por isso que estamos aqui conversando, mas temos mesmo que transmitir, temos que traduzir e não ser simplesmente decoradores do que acontece no campo. É por isso que eu acho que a gente tem que levar as pessoas para o campo ou então trazer o campo para cá (...). A fome não deveria existir, os insumos estão aí, os ingredientes estão aí, acho que nós temos uma capacidade de adaptação, temos capacidade para trabalhar, lutamos pela nossa soberania alimentar e não deveríamos nos subordinar a formas de consumo".
M.F.Ortiz--ESF