Museu em Paris destaca amor artístico entre Picasso e Stein no início do século XX
Ela era uma escritora homossexual americana, ele um ambicioso pintor espanhol com fama de conquistador. Gertrude Stein e Pablo Picasso se encontraram em Paris e a paixão artística foi tão improvável quanto instantânea.
O Museu de Luxemburgo inaugura nesta quarta-feira (13) uma das últimas exposições francesas dedicadas a Picasso este ano, que marca o 50º aniversário de sua morte, com o tema "A invenção da linguagem".
"Um escritor deveria escrever com seus olhos e um pintor, pintar com suas orelhas", disse Stein em 1940, quase quatro décadas depois do encontro que marcou os artistas.
Picasso se mudou permanentemente para Paris em 1903, quase ao mesmo tempo que Stein.
As origens eram muito diferentes: ele vinha de uma família modesta e vivia quase na pobreza e ela pertencia a uma rica família judia da costa leste americana, mas ambos compartilhavam o anonimato na capital da arte.
- "Uma paixão amistosa" -
Ambos se conheceram por admirações compartilhadas por artistas como Cézanne ou Matisse, que haviam começado a demolir os fundamentos da arte clássica.
"Foi uma paixão amistosa", explicou à imprensa a diretora do Museu Picasso de Paris, Cécile Debray.
Em 1945, Stein ressaltou a diferente abordagem entre eles, mas que os unia pela arte.
"Pablo faz retratos abstratos em pintura. Tento fazer retratos abstratos com meus meios, as palavras", disse ela.
Juntamente com seu irmão Leon, Stein se tornou uma das primeiras colecionadoras de Picasso, Bracque e outros artistas do recém-nascido cubismo.
Desde aqueles primeiros anos, a escritora manteve uma admiração quase obsessiva pelo pintor de Málaga, até que o espanhol propôs pintar um retrato da americana.
Anos depois, ela contou que chegou a posar "noventa vezes" para o artista.
Como resultado, em 1906, a escritora atesta que o pintor espanhol está prestes a dar o salto para o cubismo. No ano seguinte, Picasso expõe "Les Demoiselles d'Avignon" (As Senhoritas de Avignon, em tradução livre), que revoluciona o mundo da pintura.
No retrato que pintou de Stein, sua cabeça angulada se tornou sua forma de olhar para o rosto humano, uma percepção cubista que perdurou anos e lhe trouxe a fama.
Stein retribuiria a generosidade do amigo dois anos depois, com um "Retrato de Picasso" na forma de um poema de vanguarda. A exposição do Museu de Luxemburgo mostra uma versão escrita e uma gravação da voz da própria artista que raramente foi ouvida em público.
A mostra também exibe algumas composições pouco conhecidas de Picasso em papelão pintado do acervo do museu parisiense, além de obras de Cézanne e outros artistas.
Stein e Picasso manteriam a admiração mútua até a década de 1930, quando o espanhol tomou definitivamente outros rumos. A americana, por sua vez, inesperadamente alcançou sucesso com a "Autobiografia de Alice Toklas" (1933), um livro de memórias daqueles anos boêmios parisienses.
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, ela levou suas pinturas e memórias para os Estados Unidos, onde passou anos ministrando palestras.
Seu retrato feito por Picasso passa então a fazer parte das coleções do Museu Metropolitano, como a obra "Les Demoiselles d'Avignon".
O impacto de Stein em seu país natal é o tema da segunda parte da exposição do Museu de Luxemburgo.
Artistas como John Cage, Jasper Johns, Robert Rauschenberg, Merce Cunningham, Trisha Brown e Andy Warhol se inspiram na escritora para mergulhar na vanguarda, deslocando o centro da arte de Paris para Nova York.
M.F.Ortiz--ESF