Justiça britânica declara 'ilegal' expulsar demandantes de asilo para Ruanda
A justiça britânica declarou nesta quinta-feira "ilegal" o polêmico projeto do governo conservador para enviar à Ruanda, nação africana a 6.500 km de distância do Reino Unido, os demandantes de asilo que chegam sem documentos ao país.
Três magistrados do Tribunal de Apelação de Londres revogaram uma decisão precedente com a alegação de que Ruanda não pode ser considerado um "terceiro país seguro". A decisão foi adotada por maioria.
De acordo com dois juízes, as deficiências do sistema de asilo de Ruanda implicam um "risco real" de que os refugiados sejam devolvidos a seu país de origem e sofram perseguição ou tratamento desumano.
"A menos e até que as deficiências de seus procedimentos de asilo sejam corrigidas, a expulsão de solicitantes de asilo para Ruanda será ilegal", afirmou o presidente do tribunal.
Os magistrados explicaram que a decisão "não implica qualquer opinião sobre os méritos políticos ou de outro tipo a respeito desta política", considerando que "esta é uma questão que cabe exclusivamente ao governo e sobre a qual o tribunal não tem nada a dizer".
O Executivo pode apresentar recurso contra a decisão ao Supremo Tribunal britânico.
O governo de Ruanda afirmou que discorda da sentença e destacou que, apesar da decisão, "segue plenamente comprometido em fazer este acordo funcionar".
A ONG Human Rights Watch aproveitou a decisão para pedir novamente à ministra do Interior, a ultraconservadora Suella Braverman, que "abandone este sonho febril impraticável e contrário à ética".
- Repressão -
O projeto controverso, anunciado em 2022 pelo então primeiro-ministro Boris Johnson, foi inicialmente bloqueado pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), o que obrigou o governo a abortar a decolagem do primeiro avião em junho do ano passado.
Desde então, o plano é alvo de uma batalha de recursos judiciais no Reino Unido e ninguém foi deportado até o momento.
A Alta Corte de Londres declarou o projeto legal em dezembro, mas o Tribunal de Apelação aceitou um recurso apresentado por 10 solicitantes de asilo - procedentes da Síria, Iraque, Vietnã, Sudão e Albânia - e pela ONG de ajuda aos refugiados Asylum Aid.
Defensores dos direitos humanos acusam Ruanda - país governado com mão de ferro pelo presidente Paul Kagame desde o fim do genocídio de 1994, quando 800.000 pessoas morreram - de reprimir a liberdade de expressão e a oposição.
Os advogados do ministério do Interior britânico alegaram que o governo confia nas garantias apresentadas por Ruanda, que mostrou o desejo de "cooperar com os mecanismos internacionais de controle".
- Dissuadir -
Como seus antecessores, Boris Johnson e Liz Truss, o primeiro-ministro conservador britânico Rishi Sunak - neto de imigrantes indianos - considera uma prioridade reduzir a imigração no Reino Unido, uma das grandes promessas do Brexit.
O governo deseja tornar ilegal os pedidos de asilo das pessoas que chegam sem documentos ao país e enviar estas pessoas para terceiros países "seguros", como Ruanda.
Com este programa, o Executivo britânico pretende dissuadir os migrantes da travessia irregular, em pequenas embarcações, a partir da costa da França, uma das rotas mais perigosas do mundo devido ao grande tráfego de cargueiros, cujos números dispararam nos últimos anos.
Mais de 45.000 migrantes chegaram de maneira irregular às costas da Inglaterra em 2022, um aumento de 60% na comparação com 2021. Mais de 11.000 pessoas fizeram a travessia desde o início de 2023.
O projeto de lei está sendo debatido atualmente no Parlamento e, para convencer os legisladores, o governo publicou na terça-feira uma avaliação de seu impacto financeiro.
O relatório destaca que o custo inicial de transferência de uma pessoa para um terceiro país seria 169.000 libras (210.000 dólares, 1,02 milhão de reais), mas que seriam economizados entre 106.000 e 165.000 libras (entre R$ 644 mil e R$ 1 milhão) durante quatro anos para cada refugiado que não chega ao território britânico ou é expulso.
O documento admite, no entanto, que estes são números "muito incertos" e que o plano deveria dissuadir 37% do total de migrantes em condição irregular hoje para ser considerado rentável.
A.Navarro--ESF