O que os universitários argentinos pedem ao governo Milei?
Estudantes, professores e funcionários de universidades públicas da Argentina convocam a população a resistir ao veto anunciado pelo presidente Javier Milei a uma lei que melhora o orçamento universitário, mas vai de encontro à sua política de déficit fiscal zero.
A universidade pública, que formou personalidades como presidentes, referências na ciência e vencedores de cinco prêmios Nobel, corre o risco de ser precarizada devido às políticas de austeridade, disseram à AFP estudantes, professores e funcionários.
A lei, aprovada pelo Parlamento em 13 de setembro, estabelece um aumento do orçamento universitário, incluindo salários, para combater a inflação (236% em termos anuais em agosto). Seu impacto fiscal seria de 0,14% do Produto Interno Bruto, segundo o Gabinete de Orçamento do Congresso.
Diante da ameaça do veto, os universitários anunciaram um protesto para o dia 2 de outubro, semelhante à manifestação de 23 de abril, após a qual o governo concedeu um reforço orçamentário.
O Ministério de Capital Humano garantiu na quarta-feira que "há diálogo e compromisso", embora os representantes universitários questionem esta declaração.
O sistema de 66 universidades públicas concentra 80% das matrículas do país, cerca de 2,1 milhões de estudantes.
- "Um investimento" -
"Temos grandes gastos com instrumentos e é custoso comprar os materiais descartáveis. A faculdade fornece o que pode, mas sempre temos que 'arcar' com os gastos para continuar a graduação", conta a estudante de odontologia Ornella Sol Fritzler, que está prestes a se formar.
Em 2024 foi interrompida a entrega de kits para os consultórios no hospital universitário da Universidade de Buenos Aires, onde ela atende pacientes.
A estudante conta que a ajuda financeira que recebia da faculdade foi redirecionada para "pagar a luz, o gás e tudo o que é necessário para manter o edifício" de 17 andares onde 500 pacientes são atendidos.
Fritzler diz ter "medo" de que o reajuste acabe excluindo alunos que não têm condições de pagar pelos materiais. E discorda do presidente quando ele se refere ao orçamento da educação como despesa.
"Sou a primeira universitária da minha família e tenho certeza que sou um investimento", diz sorrindo.
Para Jorge Aredes, de 48 anos e que leciona na Faculdade de Odontologia há 25 anos, sem uma lei de financiamento universitário "será muito complexo manter toda a estrutura e serviços".
Embora não tenha revelado o seu salário, o professor afirmou que "historicamente" os salários são baixos.
Apesar disso, se recusa a lecionar no ensino privado. "Há uma questão de pertencimento e de devolver à sociedade o que ela nos deu. Nenhum professor pensa em sair da UBA", afirma ele, defendendo que "a educação universitária pública é um bem conquistado pela sociedade, um direito adquirido, um motor de mobilidade social ascendente".
- "A única saída" -
Rafael Fernández tem 59 anos e desde os 28 trabalha na recepção da universidade. Caso o veto de Milei seja bem-sucedido, ele perderá a possibilidade de ter um aumento de salário acima da inflação, que acumulou quase 95% nos primeiros oito meses do ano.
"O maior golpe foi em dezembro", afirma, em relação à desvalorização de mais de 50% após a posse de Milei. "No início você assimila o golpe diminuindo as compras, saídas ou despesas secundárias. Mas nos gastos que não podem ser evitados houve uma inflação ainda maior", declara.
O preço dos transportes, da energia e do gás dobraram ou triplicaram devido aos aumentos e reduções dos subsídios.
Se o veto for bem-sucedido, "seria quase impossível continuar vivendo deste trabalho e sustentar uma vida normal", diz ele, temendo problemas no funcionamento na universidade.
"Se perdermos a educação pública, vamos degradar a qualidade da ferramenta fundamental do trabalho, que são as pessoas. É a única saída", afirma.
F.González--ESF