Acusados de crimes contra a humanidade fogem em meio ao caos no Sudão
Um funcionário de alto escalão do antigo regime islâmico do Sudão, acusado de crimes contra a humanidade, confirmou que fugiu de uma penitenciária, assim como outras figuras do governo anterior, em meio aos combates violentos que devastam o país, o que provoca temores de agravamento do conflito após um frágil cessar-fogo.
Uma trégua de 72 horas com mediação dos Estados Unidos entrou em vigor na terça-feira (25), mas ficou em situação frágil depois que o exército voltou a bombardear as forças paramilitares na capital Cartum.
Ahmed Harun, um ex-conselheiro do ditador Omar al Bashir, deposto em 2019 após grandes protestos, confirmou que vários funcionários do antigo regime fugiram da prisão de Kober.
Harun e Al Bashir são procurados pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por "crimes contra a humanidade" e "genocídio" na região de Darfur, oeste do Sudão, onde o conflito que começou em 2003 deixou 2,5 milhões de deslocados, de acordo com a ONU.
Al Bashir, 79 anos, também estava na penitenciária de Cartum, mas o exército informou que ele foi transferido para um hospital antes do início dos confrontos em 15 de abril.
O ex-ditador e outros integrantes de seu regime foram levados para um hospital militar "devido a suas condições de saúde (...) e permanecem no hospital sob vigilância da polícia judicial", afirmou o exército em um comunicado, sem revelar a data da transferência.
Esta foi a terceira fuga de uma prisão registrada desde o início dos combates entre o exército do general Abdel Fatah al Burhan, governante de fato do Sudão desde o golpe de Estado de 2021, e seu rival, o general Mohamed Hamdan Daglo, líder das paramilitares Forças de Apoio Rápido (FAR).
Os confrontos provocaram pelo menos 460 mortes e deixaram mais de 4.000 feridos no país do nordeste da África, de acordo com a ONU.
- Êxodo -
"Ficamos no centro de detenção de Kober, sob o fogo cruzado desta batalha durante nove dias. Agora assumimos a responsabilidade por nossa proteção em outro lugar", disse Harun na terça-feira a um canal de televisão sudanês.
Com a redução da intensidade dos combates em Cartum após o anúncio da trégua, vários países organizaram operações para retirar seus cidadãos do país.
Um navio com 1.687 civis de mais de 50 nacionalidades chegou nesta quarta-feira à Arábia Saudita, informou o ministério das Relações Exteriores de Riad.
Ao mesmo tempo, os sudaneses permanecem entrincheirados em suas casas e tentam sobreviver sem o abastecimento de água ou energia elétrica, com escassez de alimentos e cortes de internet e linhas telefônicas.
"Eu digo a Hemedti (nome pelo qual é conhecido o general Daglo, das FAR), meu irmão, por favor, a guerra destruiu o povo sudanês. Meu irmão, Burhan, acabe com a guerra", declarou Barir Hamad, que trabalha no setor de construção, à AFP.
"Por que as autoridades não se importam com o povo sudanês e seu sofrimento?", perguntou Alnur Mohamed Ahmed, outro trabalhador. "As pessoas não podem sair de casa", lamentou.
Na terça-feira à noite, testemunhas relataram à AFP novos bombardeios na zona norte de Cartum contra veículos das FAR.
Em um vídeo, o grupo paramilitar afirma que tomou o controle de uma refinaria e de uma central elétrica que fica 70 km ao norte da capital, de cinco milhões de habitantes.
O exército havia alertado no Facebook para um "importante movimento (das FAR) em direção à refinaria com o objetivo de aproveitar a trégua para controlar o local".
Os dois lados afirmam controlar locais cruciais da capital, mas não é possível verificar as informações com fontes independentes.
- Riscos biológicos elevados -
A Organização Mundial da Saúde (OMS) advertiu na terça-feira para os riscos biológicos "elevados", depois que um dos lados beligerantes ocupou um laboratório que armazena agentes patógenos do sarampo, cólera e poliomielite.
Um relatório da ONU alertou que a escassez de comida, água, medicamentos e combustíveis estava se tornando "extremamente aguda, em particular em Cartum e seus arredores".
"Em alguns locais, a ajuda humanitária é a única que mantém a fome sob controle", afirmou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.
A ONU calcula que até 270.000 pessoas podem fugir do Sudão para os vizinhos Chade e Sudão do Sul.
O Sudão tem um longo histórico de golpes militares. A disputa entre Burhan e Daglo, que se aliaram para derrubar os civis do poder em 2021, é uma consequência dos planos de integrar as FAR ao exército oficial.
L.M. Del Campo--ESF